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Histórias da Casa Branca: O regresso de Obama


Barack Obama completa, no dia 20, dois anos como Presidente dos EUA: o mandato do primeiro negro na Casa Branca chegou a metade do seu percurso


O regresso de Obama

Por Germano Almeida


O primeiro mandato presidencial de Barack Obama chega, esta quinta-feira, dia 20 de Janeiro de 2011, exactamente a meio do seu percurso. Por incrível que pareça, a tomada de posse que juntou em Washington mais de um milhão e meio de pessoas já foi há dois anos.

Foram dois anos muito intensos, marcados por períodos de grande tensão política e por alguns erros inesperados – mas foram, também, dois anos de enormes sucessos, tanto no plano legislativo como na frente internacional.

O principal erro terá sido a precipitação no anúncio do fecho da prisão de Guantánamo -- promessa que Obama ainda não conseguiu cumprir. Os sucessos foram a vários níveis: no plano legislativo, destacam-se a Reforma da Saúde, a Reforma Financeira, os 'stimulus packages' que ajudaram a travar uma nova Grande Depressão e a ratificação no Senado do novo Tratado START. Na frente internacional, a obtenção do Nobel da Paz 2009 e a retirada de tropas no Iraque dão conta de uma nova visão de Washington sobre o que devem ser as atitudes e comportamentos da América, nas suas relações com o resto do Mundo.

A narrativa que dominou o segundo ano da Administração Obama, segundo a qual o actual titular da Casa Branca tinha perdido as condições necessárias para se tornar num Presidente de sucesso, é redutora. Os mais atentos já perceberam, aliás, que as últimas semanas têm marcado uma recuperação sólida e consistente da Taxa de Aprovação de Obama.

A entrada em 2011 parece ter marcado, nesse aspecto, a viragem para Barack Obama: todos os barómetros realizados desde o início deste ano dão um saldo de popularidade positivo ao 44.º Presidente dos EUA – algo que já não acontecia há vários meses.

Pesquisa recente, divulgada pela Associated Press, chega a dar 53 por cento de aprovação a Obama, um valor que, a consolidar-se, abre perspectivas muito animadoras para que o Presidente possa encarar a segunda metade do seu mandato com um optimismo absolutamente inesperado – se nos lembrarmos das análises catastrofistas que se repetiram durante meses, em relação à Presidência Obama.

Porque é que isto está a acontecer? Há dois dados que se tornam essenciais para identificar o que alguns analistas políticos norte-americanos já rotulam como o «regresso de Obama».

Novos dados
O primeiro tem a ver com o novo quadro político saído das eleições intercalares de Novembro passado. Com os republicanos a dominar a Câmara dos Representantes, mas os democratas a manterem o controlo do Senado, a ideia de que o poder em Washington estava demasiado concentrada no Partido Democrata deixa de prevalecer.

A América é um país muito heterogéneo, que reúne sensibilidades muito diversas. Mas, em traços largos, é indesmentível que os Estados Unidos são, tendencialmente, um país conservador.

A enorme maioria presidencial obtida por Obama, nas eleições de Novembro de 2008, só foi possível porque (entre outros factores de peso) alguns dos segmentos conservadores entenderam entrar na onda de «mudança» que, no estertor dos anos Bush, o jovem candidato Barack conseguiu despertar.

Mas há coisas que não mudam apenas com resultados eleitorais – mesmo que eles tenham sido tão expressivos como os que conferiram a histórica vitória de Obama, há dois anos.

Em poucos meses, floresceu a ideia de que Obama era um Presidente demasiado à esquerda para o que são os valores essenciais da América. A agenda transformadora que o Presidente tentou fazer valer enquanto os democratas mantiveram uma larga maioria no Congresso (em temas como a Reforma da Saúde, a Reforma Financeira ou os estímulos económicos) contribuiu para acicatar, ainda mais, esse sentimento de crispação.

E essa crispação abriu espaço a um fenómeno que não é totalmente novo na política americana – mas que atingiu, no último ano, níveis nunca vistos na forma como conseguiu contaminar os discursos político e mediático: os movimentos ‘Tea Party’.

Pouco consistentes do ponto de vista ideológico, deram voz a quem não se revê neste Presidente. Tendo como principais figuras a ex-governadora do Alasca, Sarah Palin, a congressista do Minnesota Michelle Bachmann, o popular apresentador e escritor Glenn Beck e o antigo candidato presidencial republicano Mike Huckabee, o Tea Party radicalizou o discurso anti-Obama nos meses que antecederam as intercalares de Novembro – e ajudou a que o Partido Republicano obtivesse a vitória na câmara baixa do Congresso, ao eleger perto de 90 candidatos.

Agora sim, a reconciliação
Sucede que, após Novembro, o sentimento anti-Obama está em nítido recuo. A propensão conciliadora do Presidente (um dos principais trunfos que jogou durante a caminhada presidencial) está a prevalecer junto da opinião pública – que começa a dar sinais de cansaço em relação a um discurso tão agressivo por parte da Direita americana.

Os conceitos de «equilíbrio» e «partilha de poder» foram sempre muito importantes para o sistema americano – ele próprio fundado num complexo de «checks and balances». E na nova configuração do poder em Washington, o papel do Presidente será, cada vez mais, o de «gerar consensos» e de «fazer avançar as coisas», duas intenções com que Obama se propôs governar e que, até agora, têm sido travadas pela posição bloqueadora dos republicanos.

Os sinais de recuperação da economia americana, ainda que a conta-gotas, estão a ajudar a este «regresso de Obama» como pêndulo da política americana.

Ainda será cedo para anunciar que Barack voltou a ter na mão o ás de trunfo que lhe permita ter o ascendente de que chegou a beneficiar até ao início de 2009.

Mas o notável discurso feito, esta semana, pelo Presidente dos EUA em Tucson, local da tragédia que colocou a congressista democrata do Arizona Gabrielle Giffords entre a vida e a morte, fez mesmo lembrar os momentos mais inspiradores de Obama, durante a campanha presidencial de 2008.

Sem descer ao nível da agressividade do Tea Party, Obama apelou à união e reduziu o clima de tensão, num momento extremamente delicado. Numa daquelas ironias em que a América é pródiga, do tiroteio resultou a morte de Christina Taylor Green, uma menina nascida a 11 de Setembro de 2001 e que despertou para a política com a campanha presidencial de Barack Obama.

«Há coisas terríveis que acontecem por razões que desafiam a compreensão humana. Em vez de apontar dedos, vamos usar esta ocasião para lembrar a nós próprios, de todas as maneiras, como as nossas esperanças e sonhos nos fazer estar ligados. Acredito que podemos ser melhores», declarou o Presidente.

Terá sido um dos melhores discursos de Obama, desde que é Presidente. Talvez só comparável ao da aceitação do Nobel, na eloquência, mas ainda mais significativo, atendendo ao momento de emoção que se vive no Arizona, por estes dias.

Nova rota no Estado da União
O caminho do recentramento político deve ser definido por Obama no próximo discurso sobre o Estado da União, marcado para 25 de Janeiro.

Há um ano, foi precisamente no discurso do Estado da União que Barack conseguiu retomar a via com que viria a atingir o seu grande objectivo na primeira fase do mandato: a aprovação da Reforma da Saúde.

Mas nos próximos dois anos, haverá menos espaço para batalhas legislativas da dimensão do ObamaCare. As recentes nomeações de William Daley para ‘chief of staff’ e de Gene Sperling para Conselheiro Económico Nacional (dois experientes operacionais dos anos Clinton) reforçam a ideia de que Barack Obama pretende realismo e eficácia na governação até Janeiro de 2013.

Dois anos depois da tomada de posse, pode já não cheirar a ‘Obamania’. Mas, mesmo depois de tantas dificuldades e de tanta hostilidade, os dados continuam a ser surpreendentemente favoráveis ao primeiro Presidente negro da história da América.