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Histórias da Casa Branca: Um certo destino conciliador


O notável discurso após a tragédia de Tucson, a rota apontada no Estado da União e os sinais de melhoria na Economia dos EUA recolocaram Obama como ás de trunfo da política americana


Um certo destino conciliador

Por Germano Almeida


O lado pragmático de Barack Obama, definido de forma sublime no recente discurso do Estado da União, e uma autoconfiança na sua própria agenda presidencial -- que muitos consideram ser de uma esfera quase espiritual -- estão a permitir ao 44º
Presidente dos EUA retomar o controlo da situação.

Sondagem recente do Opinion Research Corporation para a CNN concedeu-lhe o melhor valor de aprovação do último ano e meio: 55 por cento. Outro estudo aponta um indicador ainda mais significativo: desde Julho de 2007 que não havia tantos americanos satisfeitos com a condução do país.

Como é que isto se explica, se até há poucos meses a Presidência Obama era vista por muitos como um caso perdido? Antes do mais, parece agora bem claro que as notícias sobre a morte política de Barack Obama foram, uma vez mais, exageradas – e decorreram de uma certa precipitação superficial que vai marcando, cada vez mais, esta sociedade imediatista.

Depois, olhando para dados mais concretos, as últimas semanas têm legitimado, com factos, as grandes opções políticas do Presidente, desde que passou a ter que lidar com um Congresso de maioria republicana.

O enfoque na Economia tem sido ajudado pela melhoria nos números do desemprego (que está nos nove por cento, o valor mais baixo dos últimos dois anos na América, embora ainda com sinais de alarme a ter em conta).

Reforma da Saúde protegida
O momento de poder partilhado em Washington leva à necessidade de consensos – e o lado conciliador de Obama tem vindo a prevalecer. O Presidente voltou a pegar num tema que foi muito importante durante a sua campanha para a Casa Branca: o estabelecimento de pontes bipartidárias.

Na primeira metade do seu mandato, os republicanos fecharam quase sempre a porta a essa via. Mas agora, com a maioria conservadora na Câmara dos Representantes, para que algum lado possa mostrar serviço, é preciso ultrapassar o clima de bloqueio.

Depois da vitória das intercalares de Novembro, os líderes republicanos caíram na tentação de desfazer o que Obama obteve nos primeiros dois anos. A Reforma da Saúde passou a estar sob mira, mas o Presidente deixou sempre bem claro que não iria abrir mão de uma das suas principais bandeiras.

O que aconteceu a seguir pode ter sido exemplar para se perceber os dados do jogo em Washington, até 2012: os republicanos fizeram uso da sua maioria na câmara baixa e aprovaram a revogação do ObamaCare.

Mas como os democratas mantêm a maioria no Senado, essa revogação foi, logo a seguir, travada, na câmara alta. Mesmo que tal não tivesse acontecido, Obama já tinha anunciado que iria exercer o seu poder de veto presidencial, se, por absurdo, essa revogação passasse ao crivo do Senado.

Quer isto dizer que a Reforma da Saúde, aprovada a muito custo em Março de 2010, quando Nancy Pelosi ainda era speaker do Congresso, estará protegida, pelo menos até Janeiro de 2013, fim deste mandato presidencial.

Moral da história: mesmo depois da vitória republicana nas eleições intercalares, Barack Obama continua a ser o ás de trunfo da política americana.

Terreno favorável
Três acontecimentos recentes comprovam esta tendência de melhoria das condições políticas para Barack Obama: a forma notável como o Presidente reagiu à tragédia de Tucson; o seu brilhante discurso de 25 de Janeiro, no Estado da União, e a intervenção no National Prayer Breakfast, um momento muito «americano», que os europeus teriam alguma dificuldade em aceitar.

Nestas três situações bem diferentes, voltou a sentir-se uma certa Obamania. Já não naquele entusiasmo quase infantil da campanha presidencial, mas no modo como Barack conseguiu assumir-se, novamente, como o grande factor de conciliação de um país tão diverso e tão complexo, como são os EUA.

Em Tucson, proferiu um dos melhores discursos da sua vida política: profundo, redentor, responsável.

O clima da união bipartidária que se viveu no Estado da União (com os congressistas democratas e republicanos a sentarem-se lado a lado) foi a melhor prova de mais este ‘milagre obamaniano’.

O «momento Sputnik» desta geração
E quem quiser perceber os traços gerais da rota da Presidência Obama até ao final do primeiro mandato, terá que consultar esse discurso de 25 de Janeiro, sob o título (não muito original, diga-se…) de ‘Winning the Future’: num tom que chegou rotulado de «violeta» (metade azul democrata, metade vermelho republicano), Obama assumiu-se, cada vez mais, como um «Presidente americano» e não como um «Presidente democrata».

Reduziu a carga mais ideológica, que marcou fases dos primeiros dois anos, e estendeu a mão aos «consensos bipartidários».

No soundbyte da noite, Obama apontou «o momento Sputnik desta geração». Do mesmo modo que a URSS parecia estar à frente dos EUA na conquista espacial, no final dos anos 50, a América parece estar, hoje, a perder terreno para a China e para a Índia, nos campos económico, científico e tecnológico.

Recuperando um discurso de optimismo e confiança na noção de «ser americano» (algo central na sua mensagem política), Obama anunciou investimentos de fundo na inovação, na investigação e na educação – para que a América continue a ser um farol também no campo do conhecimento e não apenas no aspecto militar.

Nos últimos dias, a crise egípcia recolocou as atenções na instabilidade no Médio Oriente – e a posição da Administração Obama de clara defesa dos direitos dos manifestantes reforça a ideia de que o «realismo» da Obama na política externa (e que, no caso do Egipto, se manifestava por um apoio ao regime de Mubarak, aliado antigo dos EUA) não pode resistir a tudo.

Nos momentos de excepção, Obama voltou a mostrar que vai sempre preservar a «força moral da América» como «a cidade resplandescente numa colina» e como «the last best hope of earth».

Divisão à direita
A divisão no campo republicano tem vindo a ajudar a este «regresso de Obama». Passada a euforia do Tea Party, ficou a sensação de que a nova configuração na direita americana dificilmente será favorável para a oposição ao Presidente.

Se é certo que o Tea Party ajudou a energizar o clima anti-Obama antes das midterms de Novembro, a verdade é que os primeiros meses do novo Congresso têm posto a nu a falta de unidade política do Partido Republicano.

O caso da réplica ao discurso do Estado da União foi um bom exemplo disso. O Comité Nacional do Partido Republicano escolheu o congressista Paul Ryan, do Wisconsin, para responder a Obama. Mas o Tea Party fez questão de preparar a sua própria reacção, através de Michelle Bachmann, congressista do Minnesota, uma das vozes mais ferozes contra Obama.

Esta divisão é, talvez, a principal ameaça à direita americana – e aumenta a dificuldade em escolher o candidato ideal para desafiar Obama, em 2012.