Texto publicado no site de
A BOLA, secção
Outros Mundos, a
30 de Setembro de 2010:
E depois da hecatombe?
Por Germano Almeida
«Já não restam grandes dúvidas de que as intercalares de Novembro vão ditar uma verdadeira hecatombe eleitoral para os democratas. Os sinais vão sendo cada vez mais preocupantes para o partido que apoia o Presidente – e só falta mesmo saber se a viragem política no Congresso será total ou se o Partido Democrata ainda conseguirá aguentar, à tangente, o domínio do Senado.
Na Câmara dos Representantes, basta fazer contas para se perceber que a mudança é já uma certeza: os republicanos vão recuperar a maioria na House e Nancy Pelosi terá que conceder o seu posto de "speaker" a John Boehner.
Por estes dias, a frase mais repetida por políticos e analistas nos EUA é a de que o momento está muito complicado para Barack Obama. Se olharmos para os números da Taxa de Aprovação do Presidente (que recentemente bateram num fundo de 42 por cento) e dos diversos combates que se preparam para Novembro – com os candidatos democratas em risco de perderem duelos que, numa situação normal, facilmente ganhariam – temos que concluir que essa frase é quase indesmentível.
Mais do que sublinhar o óbvio, importa, por isso, antecipar o que poderá acontecer depois de Novembro. Historicamente, as “midterms” têm sido momentos charneira nos mandatos presidenciais. Como o próprio nome indica, elas marcam a metade um percurso de quatro anos – e são o barómetro mais objectivo para se medir o sentimento do eleitorado em relação ao rumo que está a ser seguido.
A probabilidade de uma enorme derrota eleitoral para os democratas será um sério aviso à Administração Obama. Mas ao contrário do que muitos começam já a anunciar, mais uma vez de forma precipitada, ela não significará o falhanço de um segundo mandato para Obama.
Pôr as coisas em perspectiva
Antes de seguir o ruído, convém olhar para a história política americana, para que possamos pôr as coisas em perspectiva. Em 1982, o Partido Republicano perdeu as intercalares para o Congresso, no auge da Reaganismo. Dois anos depois, Ronald Reagan não só foi reeleito como conseguiu uma das maiores maiorias presidenciais da história americana: 58.8 por cento do voto popular, 525 Grandes Eleitores, 49 estados ganhos (só perdeu em Washington D.C. e no Minnesota).
Em 1994, Bill Clinton estava a meio do seu primeiro mandato presidencial. Aparecia em Washington como um jovem Presidente vindo de um pequeno estado do Sul (o Arkansas), com uma agenda progressista em questões como o aborto ou os direitos das minorias.
Os seus dois primeiros anos na Casa Branca acicataram as hostes conservadoras – em níveis de hostilidade que, nalguns aspectos, fazem lembrar os imensos problemas que Obama hoje enfrenta.
A «Revolução Republicana», liderada por Newt Gingrich, com o seu «Contrato com a América», parecia ter dado uma machadada fatal no que faltava da Presidência Clinton, vista pela forte ala conservadora como «demasiado divisiva e liberal» para os EUA.
Mas, tal como acontecera no início da década de 80, também nos anos 90 uma grande derrota nas intercalares não implicou a perda da reeleição ao presidente em funções. Em 1996, Bill Clinton bateu o republicano Bob Dole com facilidade – ainda que não tenha atingido a maioria absoluta do voto popular.
Clinton foi reeleito porque soube corrigir a tempo o foco da sua agenda presidencial. Forçou o diálogo com o Congresso e quando não o conseguiu ficou patente que a força de bloqueio estava no campo republicano – e que era o Presidente quem tinha o rumo certo que levou ao crescimento económico.
Agarrar o centroA chave para se perceber a segunda fase do primeiro mandato presidencial de Obama está aí: em saber se Barack conseguirá agarrar o centro.
O caso de Obama é um pouco diferente do de Clinton. Ironicamente, Barack partiu com uma maioria presidencial muito superior às duas vitórias de Bill. Mas o centro político que Clinton soube conquistar durante a sua presidência foi, precisamente, aquilo que Obama deixou escapar nestes dois anos.
O dilema de Obama vê-se em questões chave como a Reforma da Saúde. A aprovação da Health Care Bill foi, talvez, a principal conquista da primeira metade da Administração Obama. O problema é que continua a ser impopular – de tal modo que, nesta campanha para o Congresso, alguns candidatos democratas se demarcaram do ObamaCare, receando perder votos com uma reforma que ainda assusta tanta gente na América.
Antecipar 2012Ainda está por apurar a verdadeira extensão do desastre para os democratas: se perderem as duas câmaras do Congresso, estaremos perante uma hecatombe equiparável a 1994.
Mas as contas no Senado ainda beneficiam o partido de Obama, sobretudo depois da nomeação republicana de Christine O’Donell no Delaware – um facto inesperado, que terá oferecido o lugar, de bandeja, a Chris Coons e torna provável a manutenção de 51 senadores para os democratas.
Seja qual for a dimensão da derrota, Obama está já a preparar a melhor estratégia para 2012. E o seu maior trunfo será o arranque a sério da recuperação económica.
Nas últimas semanas, a equipa económica que rodeou o Presidente nos últimos dois anos sofreu alterações de fundo. Primeiro foi Christina Romer, chefe dos conselheiros económicos de Obama, a anunciar a sua intenção de abandonar Washington, para voltar a dar aulas em Berkeley.
Mais recentemente, foram confirmadas as saídas de Peter Orszag, o homem forte do Orçamento, e Larry Summers, conselheiro económico nacional e um dos mentores dos megaplanos de recuperação e reinvestimento aprovados, a muito custo, no Congresso, nos primeiros meses da Administração Obama.
Summers deixará a Casa Branca até ao final do ano, para retomar o seu posto universitário em Harvard. Nos corredores de Washington, fala-se também da saída do secretário do Tesouro, Tim Geithner, no primeiro trimestre do próximo ano.
O cenário está, por isso, montado: Obama iniciará uma mudança de rota na sua agenda económica. Se a isto juntarmos a saída de Rahm Emanuel da chefia de gabinete da Casa Branca (será candidato à câmara de Chicago), tudo parece indicar que a segunda metade desta administração será marcada por um maior enfoque num «reach across the aisle» – em conseguir estabelecer o diálogo com o outro lado da barricada.
A grande questão nos próximos dois anos resume-se a isto: com os republicanos a controlarem o Congresso muito em breve, Obama terá que forçar a barra, responsabilizando o adversário, se este não quiser cooperar. Os americanos não gostam de «complainers» e de quem só destrói e não sabe construir.
Se o comportamento dos republicanos continuar a ser de bloqueio permanente, a bola poderá voltar a ficar do lado do Presidente. Os próximos meses em Washington prometem ser muito interessantes.»