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Histórias da Casa Branca: A lenta reconstrução do puzzle
A lenta reconstrução do puzzle
Por Germano Almeida
«O mais poderoso dom que Deus deu aos Estados Unidos não foram as suas grandes riquezas em solo, florestas e minas, mas o divino descontentamento profundamente implantado no coração do seu povo»
William Allen White, político e editor americano do início do século XX
A presidência Obama está em fase de reconstrução. Mostra sinais de vida, ainda que a espuma do momento pareça torná-la moribunda.
A frase acima citada tem mais de meio século mas permanece bem actual: tantas décadas depois da constatação de William Allen White, a América continua a ter na sua propensão para o descontentamento uma forma de se auto-questionar e de obrigar quem, temporariamente, detém o poder federal a prestar contas e a procurar corrigir o caminho.
O recentramento político é o conceito-chave para se perceber o plano do Presidente para voltar a ter a bola do seu lado. Na reacção imediata à derrota nas 'midterms', Barack Obama já tinha apontado o caminho: prometeu aos americanos que iria esforçar-se «ainda mais» para ser «um melhor Presidente» e que, depois de tão clara demonstração de desagrado por parte do eleitorado, iria bater-se por um clima de «consensos alargados» em Washington.
Mas, perante o que aconteceu nos primeiros dois anos da era Obama -- com a oposição republicana a boicotar à partida toda e qualquer tentativa de entendimento bipartidário por parte do Presidente e do campo democrata – a pergunta surge com naturalidade: se Obama não o conseguiu fazer até agora, quando tinha uma larga maioria no Congresso, como poderá concretizar esses entendimentos quando é o campo adversário que irá ter o controlo legislativo na segunda parte deste mandato presidencial?
Pouco espaço para grandes feitos
A resposta a esta aparente contradição está na forma como Obama já começou a reagir, depois da pesada derrota nas intercalares.
A sua recente decisão de permitir a renovação das «Bush Tax Cuts», os cortes fiscais aprovados na anterior administração norte-americana aos mais ricos, pode ser interpretada, à primeira vista, como uma cedência aos republicanos e uma embaraçosa quebra de uma bandeira eleitoral.
A verdade é que esta (difícil) decisão de Obama pode ficar para a história do primeiro mandato presidencial do 44.º Presidente dos EUA como a primeira medida do «compromisso bipartidário», uma plataforma política, no mínimo, arriscada, atendendo ao clima fracturado que tem dominado as últimas décadas da política americana, mas que é, claramente, a via escolhida por Barack Obama para terminar de vez com o impasse em que a presidência parece ter caído nos últimos meses.
Pode o Presidente ser acusado de ter quebrado uma importante promessa eleitoral de acabar com os cortes fiscais dos mais ricos? Claro que sim.
Mas convém perceber as razões de tão inesperada concessão: ao ceder neste ponto, Obama arrancou da futura maioria republicana no Congresso o compromisso de permitir o prolongamento do subsídio de desemprego a dois milhões de americanos (que, caso contrário, perderiam qualquer assistência social nos próximos meses) e conseguiu, também, a abertura do lado oposto para que se mantenham os incentivos federais à recuperação económica.
Pura gestão política? Em parte, sim. Mas os resultados das intercalares foram a última confirmação de uma tendência que se desenhava com clareza nos últimos meses: é que o tempo das grandes realizações, dos projectos mais ousados e de maior confronto ideológico já passou. Ocorreu na primeira metade da Administração Obama e teve como principais conquistas a Reforma da Saúde, a Reforma Financeira e a travagem de uma nova Grande Depressão por via da aprovação de programas de incentivo à Economia que implicaram gigantescas intervenções do poder federal.
E só foram possíveis graças a um clima de «Obamania» que ainda se fez sentir no primeiro ano deste mandato presidencial -- ainda embalado pela enorme vitória eleitoral de Barack Obama a 4 de Novembro de 2008 -- e graças, também, à larga maioria de que o Partido Democrata dispunha no Congresso.
Nos próximos dois anos, haverá pouco espaço para grandes coisas. Será um tempo de maior pragmatismo e de uma necessidade absoluta de se encontrar o máximo denominador comum entre os dois campos políticos do Congresso.
Obama, fazendo uso do seu lado de jogador de xadrez, já está a lançar a carta da «responsabilização». No calor da vitória nas intercalares, os líderes republicanos em Washington saíram-se com tiradas triunfalistas das quais poderão vir a arrepender-se.
Mitch McConnell, líder da minoria republicana no Senado, deixou escapar que «o principal objectivo dos republicanos nos próximos dois anos é impedir a reeleição de Barack Obama».
O mesmo senador McConnell, depois do acordo feito com Obama nesta questão da renovação das «Bush Tax Cuts», já corrigiu o tiro: «É um sinal de abertura ao diálogo por parte do Presidente».
«'Yes we can'... but»
Quando, há semanas, Barack Obama foi ao «Daily Show», foi apanhado de surpresa com a pergunta de Jon Stewart: «Ainda podemos acreditar nessa história do 'Yes We Can'?», perguntou o brilhante humorista.
O Presidente hesitou, demorou uns segundos a responder, e deixou a meio uma frase aparentemente comprometedora: «Yes we can... but...». Primeiro o silêncio, depois uma gargalhada de Stewart e do público. Obama, ainda um pouco desarmado, completou: «... but we need more time».
Obama ainda tem margem para pedir mais tempo – e agora pode partilhar essa responsabilidade com os republicanos.
O tempo que resta
Oficialmente, são quase dois anos até às presidenciais de Novembro de 2012, mas, na prática, Obama tem pouco mais de um ano para reconstruir o puzzle. A partir da Primavera de 2012, viver-se-á num clima pré-eleitoral. Há sinais lentos de recuperação económica – e isso pode ser um início, apesar de mais um recuo inesperado em Novembro, com a subida de 9.6% para 9.8% da taxa de desemprego.
Muita gente já reparou como, em apenas dois anos, a expressão optimista do então jovem candidato presidencial passou para a face cansada de um Presidente que já tem alguns cabelos brancos.
Obama ainda pode reconstruir uma maioria presidencial que lhe permita cumprir um segundo mandato, até Janeiro de 2017.
Muito provavelmente, não será uma maioria tão impressionante como a que conseguiu obter há dois anos. Mas o caminho do centro, que quase sempre tem sustentado as vitórias presidenciais na América, continua a estar mais próximo de Barack Obama do que da cansativa oposição republicana.