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Histórias da Casa Branca: O caminho para a reeleição
O caminho para a reeleição
Por Germano Almeida
«Há um certo orgulho perverso na minha Administração -- e eu assumo a responsabilidade disso, foi influência de cima -- por fazermos as coisas como devem ser feitas, ainda que a curto prazo sejam impopulares»
Barack Obama, depois da pesada derrota dos democratas nas ‘midterms’ de Novembro
Que Barack Obama passa pelo momento mais difícil da sua presidência, isso já toda a gente sabe. Mas a narrativa dominante, segundo a qual a vitória clara do Partido Republicano nas ‘midterms’ de Novembro terá sido a machadada fatal nas pretensões do actual Presidente dos EUA em buscar a reeleição em 2012, seria poderosa, se não tivesse um problema: é que ela não tem correspondência com a realidade.
Por muito que a espuma do momento pareça indicar um caminho sem saída para uma administração que não consegue descolar dos 45/48 por cento de popularidade, uma análise mais distanciada mostra-nos que os dados que irão decidir o duelo presidencial de Novembro de 2012 ainda não foram lançados.
Mais: se tivesse que antecipar o que vai acontecer, dentro de dois anos, nas eleições presidenciais norte-americanas à luz dos dados actuais (um exercício que, obviamente, vale muito pouco, atendendo à velocidade com que as coisas mudam na política dos EUA…), apontaria para uma nova vitória de Obama.
Sendo certo que a popularidade do 44.º Presidente dos EUA está aquém do que seria esperado quando, há dois anos, foi eleito num clima de euforia generalizada, a verdade é que ela não é assim tão baixa. Está, aliás, na linha do que tinham os seus dois antecessores imediatos, Bill Clinton ou George W. Bush, quando atravessavam fases similares nos primeiros mandatos.
Paralelismos
O paralelismo foi recordado por alguns analistas nas últimas semanas – e torna-se inevitável: Bill Clinton, que (tal como Obama é hoje) era em 1994 um jovem Presidente democrata a meio do primeiro mandato, com uma agenda de confronto em relação ao meio predominantemente conservador da ‘real America’, também teve uma pesada derrota nas ‘midterms’, mas acabou por ser reeleito com relativa facilidade.
Em 1982, o mesmo sucedeu a Reagan, embora num tablado político bem diferente. Mas as semelhanças com o caso de Obama são relevantes: tal como sucedeu em 2008 com Barack, Reagan venceu as presidenciais de 1980 com surpreendente facilidade. Dois anos depois, perdeu as intercalares, mas acabou por reforçar a sua já ampla maioria presidencial em 1984.
Mas talvez seja prudente não olhar demasiado para o passado. Em política, há algumas repetições interessantes, mas também é verdade, passados tantos anos em relação aos dois casos de Reagan e Clinton, que a complexidade política e económica dos tempos que vivemos torna a missão de quem está no poder ainda mais difícil – e a margem para encontrar novas soluções é cada vez menor.
E depois há a questão do opositor. Mesmo com a aparente vantagem conservadora, contabilizada nas intercalares de há um mês, ela dificilmente será canalizada num só candidato republicano – seja ele (ou ela…) quem for.
Uma coisa é o que se passou nas eleições de Novembro: perante um clima económico em tons ainda muito deprimentes, a penalização do Partido Democrata surgiu com relativa naturalidade. Convém recordar que os democratas haviam conseguido, em Novembro de 2008, um pleno no controlo dos três pilares do poder nos EUA: clara maioria de Obama na Casa Branca, supermaioria no Senado, larga maioria na Câmara dos Representantes.
Outra, bem diferente, é o que irá acontecer no duelo presidencial – uma longa maratona de quase dois anos, em que o que verdadeiramente conta é o resultado final. A meio do percurso, será mais fácil marcar pontos para quem não está exposto ao desgaste do poder.
No caso das intercalares de há um mês, o ruído do Tea Party ajudou a aumentar o clima de hostilidade para com Obama e os democratas. Alguns deles até cometeram o erro de se demarcar do Presidente.
Responsabilidades partilhadas
Nos primeiros dois anos da Administração Obama, os sinais de penalização já haviam sido dados em momentos eleitorais como a substituição de Ted Kennedy para a vaga do Massachussets no Senado (surpreendentemente ganha pelo republicano Scott Brown).
A grande viragem no Congresso deu-se no mês passado, com os republicanos a passarem a controlar a Câmara dos Representantes. Mas a derrota dos democratas não teve a dimensão que chegou a ser profetizada.
O Senado acabou por se manter na mão do partido de Obama, por uma diferença de três senadores (com os triunfos de Patty Murray, no estado de Washington, e Harry Reid, no Nevada, a terem tido importantes ajudas do Presidente, na recta final). A pré-anunciada ‘hecatombe’ eleitoral dos democratas acabou por se ficar pela metade.
A partir de Janeiro, o ‘speaker’ do Congresso volta a ser republicano: John Boehner substituirá Nancy Pelosi, democrata de uma ala mais à esquerda do que o Presidente, que teve um papel crucial na batalha pela aprovação da Reforma da Saúde.
Com o regresso dos republicanos a uma parte do poder de Washington, o discurso de «terra queimada» e a posição do bloqueio permanente em relação a tudo o que a Administração Obama pretenda fazer passa a estar comprometida. As responsabilidades serão partilhadas – e Obama volta a ter a bola do seu lado.
Numa daquelas ironias em que a política moderna é pródiga, uma aparente contrariedade – a clara derrota dos democratas nas intercalares – pode vir a revelar-se carta importante para relançar Obama como ás de trunfo da política americana.
O Presidente sabe perfeitamente disso – e o tom dos seus discursos pós-‘midterms’ aponta, claramente, para a exploração desta nova realidade.
Os americanos, já o escrevi em texto anterior nesta rubrica, não gostam de ‘complainers’. Não suportam quem só sabe dizer mal e não se mostra capaz de construir. Obama, que sempre foi um ‘doer’, sempre foi alguém que preferiu fazer e arriscar, em vez de se desculpar com lamentos e críticas aos opositores, terá que ser capaz de marcar claramente esta diferença.
Não o tem sabido fazer da melhor forma até agora, é um facto. A Administração Obama não tem comunicado bem a sua mensagem, o que não deixa de causar surpresa, atendendo à forma fantástica como Barack foi capaz de transmitir as suas ideias fortes, enquanto candidato presidencial.
Recentramento
Os primeiros dois anos mostraram uma disparidade incomodativa entre o muito que Obama já conseguiu fazer como Presidente (Reforma da Saúde, Reforma Financeira, travagem de uma nova Grande Depressão) e a percepção, errada, de que tem sido um Presidente falhado.
É muito provável que o «julgamento da História» venha a reparar esta disparidade. Mas nesta estranha era de «julgamentos» em tempo real, de pouco valerá ter razão quando a maioria não se apercebe disso.
Vários conselheiros de Obama têm insistido nesta questão junto do Presidente. E é, por isso, muito provável que se assista a um recentramento político na segunda parte do mandato, por forma a que Obama possa recuperar o centro – e acalme a onda ultraconservadora.
Mesmo as sensibilidades liberais, que agora se dizem muito desiludidas com um Presidente que pouca margem tem tido para fazer avançar questões fracturantes num país predominantemente conservador, acabarão por preferir Obama ao seu opositor republicano em 2012 -- apesar do descontentamento momentâneo.
Em plena euforia republicana pós-midterms, pode ser difícil descortinar estas tendências. Mas se elas se confirmarem, talvez Obama consiga uma reeleição bem menos problemática do que muitos antecipam.
As oportunidades estão lá. Falta saber se o Presidente dos EUA será capaz de voltar a agarrá-las. Isto, é claro, se não quiser ficar na História como «o Presidente que fez as coisas certas, mas não foi a tempo de ser premiado por isso».