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Histórias da Casa Branca: Baralhar e voltar a dar
Texto publicado ontem no site de A BOLA, secção Outros Mundos:
Baralhar e voltar a dar
Por Germano Almeida
«A Reforma da Saúde tem sido o principal factor de turbulência nesta primeira fase da Presidência Obama. Mas o Presidente ainda não desistiu de a concretizar no seu primeiro mandato – mesmo que, no limite, isso possa custar-lhe a reeleição.
Os últimos dois meses foram desastrosos para os democratas. A perda da supermaioria no Senado levantou uma lebre que os republicanos ainda não desistiram de caçar.
Com a possibilidade de bloquear, no Congresso, questões como a Reforma da Saúde, os conservadores aumentaram a crispação contra o Presidente, em níveis que começavam a ficar insuportáveis.
As recentes derrotas eleitorais (Massachussets, Nova Jérsia, Virgínia) fizeram soar as campainhas de alarme na Administração Obama. A partir do discurso do Estado da União, Obama parecia ter enveredado por uma nova estratégia, lançando sinais de «recentramento político».
Mas essa viragem ao centro tem sido mais aparente do que real. E traduz-se mais em gestos como o que teve ao convocar uma inesperada «cimeira pela Reforma da Saúde», que durante sete horas juntou, à mesma mesa, na Blair House, democratas, republicanos e os membros do Governo Obama que mais directamente estão empenhados na Reforma da Saúde: o Presidente, o vice Joe Biden e a secretária Kathleen Sebelius.
Do lado democrata estavam Nancy Pelosi, Harry Reid, entre outros congressistas empenhados em aprovar a Reforma da Saúde. Entre os republicanos, destacavam-se John McCain e Lamar Alexander, pesos pesados do Senado, mas também Eric Cantor, congressista da Virgínia e uma das estrelas ascendentes do GOP, que foi particularmente ácido para com as intenções da Administração Obama – corporizando a actual tendência do seu partido de radicalizar o discurso contra o Presidente.
Uma parte dos republicanos acusou Obama de ter montado um «teatro político» com esta inusitada conversa entre rivais, que foi transmitida em directo no C-SPAN.
Mas Barack terá pretendido mostrar, juntando as três partes envolvidas neste longo e duro processo negocial, que ainda é possível atingir uma «carga bipartidária» em torno de uma das suas principais bandeiras eleitorais.
Se era essa a intenção, os republicanos fizeram tudo para sublinhar a ideia de que as divisões são tantas que não haverá condições de se chegar a uma aprovação com votos «do outro lado da bancada».
Sobre essa eventual incompatibilidade, Nancy Pelosi lançou, já depois da cimeira de Blair House, uma frase animadora, embora um pouco enigmática: «É possível conseguir uma Reforma da Saúde bipartidária sem qualquer voto republicano». Será?
A arte do compromisso
A verdade é que, no essencial, Obama mantém a sua agenda transformadora para aplicar no seu primeiro mandato.
Mesmo tendo perdido o acesso aos 60 votos que garantem a supermaioria, os caminhos para aprovar uma megareforma na área da Saúde não estão totalmente tapados.
Em declarações diversas nas últimas semanas, Harry Reid e a 'speaker' Pelosi têm demonstrado a convicção de que será possível fazer passar «uma reforma da saúde».
Já não será o plano inicial de Obama, mas poderá ser algo muito parecido com o que foi aprovado no Senado na véspera de Natal – e que prevê a cobertura a 31 milhões de americanos que estão, neste momento, sem quaisquer cuidados médicos, mas que não contempla a «opção pública» que havia sido aprovada na Câmara dos Representantes.
Kathleen Sebelius recordou, recentemente, que «Obama é um grande defensor da opção pública e não vai desistir facilmente dela».
Com o fantasma do filibuster a ensombrar a recta final do processo legislativo do ObamaCare, o núcleo duro do Presidente estará mesmo a admitir a possibilidade de usar, no Senado, a figura da «reconciliação» – foi o próprio David Axelrod, chefe dos conselheiros políticos de Barack Obama, a admiti-lo.
É um daqueles casos, frequentes na política moderna, em que as palavras dizem o contrário do que significam na realidade: a «reconciliação» prevista no Senado utiliza-se, precisamente, quando se receia uma minoria de bloqueio de 41 senadores.
A ser aplicada esta figura, bastará uma maioria simples de 51 senadores (em 100) para que os democratas aprovem o ObamaCare. Mas republicanos, como John McCain, já avisaram que «pode ser trágico para o Presidente Obama ter que usar essa figura numa questão tão crucial como a Reforma da Saúde».
E nos meios conservadores já corre a piada: a melhor figura a usar com a Health Care Bill é chamar Quentin Tarantino. Porquê? Porque é o realizador de... «Kill Bill».»