|
|
---|
Histórias da Casa Branca: Nuvens negras sobre Washington
Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a de 23 de Setembro de 2010:
«Durante décadas, o bipartidarismo tornou-se um axioma em Washington. O domínio de democratas e republicanos parecia ser uma verdade insofismável. Mas o descontentamento em torno de quem tem o poder nos três grandes pilares do sistema – Casa Branca, Senado e Câmara dos Representantes – está a atingir níveis que dão a movimentos como o Tea Party uma visibilidade absolutamente inesperada.
A verdadeira dimensão deste fenómeno (novo e, a vários níveis, preocupante) está ainda por apurar. Mas o resultado das eleições intercalares de Novembro poderá ajudar-nos a avaliar, de forma um pouco mais sustentada, o tipo de alterações que estão a ocorrer na política americana.
Nos últimos meses, houve sinais que merecem ser analisados. Um deles tem a ver, obviamente, com a falta de popularidade de Barack Obama. A crise económica será o principal factor de explicação para a súbita passagem, em pouco mais de um ano, do Presidente de «Messias» (Novembro de 2008) para «desilusão» -- rótulo que se vai arrastando, de há uns meses para cá, em alguns sectores da sociedade americana.
Por muito simplista que esta transformação possa parecer, a verdade é que ela ainda não foi desmontada pela poderosa máquina de «marketing» que envolve Obama.
A vontade (já assumida publicamente) de Rahm Emanuel de abandonar o cargo de ‘chief of staff’ da Casa Branca, para poder candidatar-se ao cargo de ‘mayor’ de Chicago depois de Novembro, é mais um sinal de alarme.
Rahm não é, propriamente, um dos mais indefectíveis da Obamania (nas primárias democratas, até apoiou Hillary), mas foi escolhido por Barack para fazer a ponte entre o núcleo político da Administração Obama e as bases democratas no Congresso.
Ora, um dos aspectos que está a falhar na mensagem política da Administração Obama é, precisamente, a falta de capacidade em estabelecer consensos no Congresso – mesmo no lado democrata.
A saída anunciada de Rahm Emanuel, por si só, não significa o falhanço do primeiro mandato de Obama. E a escolha provável de Valerie Jarrett (uma das conselheiras mais próximas do Presidente) para sucessora de Rahm poderá apontar para uma ainda maior influência dos FOB («Friends of Barack») e não da base democrata na orientação política da Administração Obama.
Radicalização
Mas não se pense que os problemas de mobilização se situam apenas, neste momento, no campo democrata.
A era Obama tem sido marcada pelas nuvens negras de uma nova Depressão – e isso explica uma boa parte do descontentamento dos eleitores em relação à actual administração.
Jimmy Carter, Presidente dos EUA entre 1977 e 1981, foi muito claro, em entrevista recente ao Larry King Live: «Barack Obama será, talvez, o Presidente da história americana que enfrentou o ambiente mais hostil em Washington -- e estou a incluir Abraham Lincoln na lista».
O que já seria menos previsível é esta contaminação da zona extremista de que o Partido Republicano está a ser vítima. As primárias para as ‘midterms’ de Novembro foram pródigas em exemplos que sustentam essa contaminação, com as vitórias de Rand Paul (Kentucky), Marco Rubio (Florida), Ken Buck (Colorado), Sharron Angle (Nevada) ou Christine O’Donell (Delaware).
Do ponto de vista do cálculo eleitoral, não restariam grandes dúvidas que o que mais interessa ao Partido Republicano é manter-se com um discurso clássico e moderado.
Se o fizer, lançará o caminho para que um candidato como Mitt Romney, Mitch Daniels ou Tim Pawlenty possa vir a ser nomeado presidencial que dispute o centro e os independentes com Barack Obama, em 2012.
Mas os tempos, nos EUA, não estão muito favoráveis aos cálculos clássicos. «As pessoas estão frustradas e colocam os conservadores no saco dos culpados. Este é um péssimo ano para quem tem ligações a Washington e pretende concorrer ao Congresso», aponta Trace Adkins, um popular cantor country ligado a sectores da Direita americana, em entrevista ao Anderson Cooper 360º, na CNN.
O projecto Palin
Esta frustração com o «poder de Washington» tem servido de combustível ao fenómeno político do momento na América: o movimento Tea Party.
Um ano e meio depois do desastre eleitoral de 4 de Novembro de 2008, nem a falta de popularidade de Obama é suficiente para repor a normalidade no Partido Republicano.
À medida que o Tea Party vai penetrando na estrutura central do GOP, vai crescendo o espaço para o projecto presidencial de Sarah Palin em 2012.
Os sinais estão bem à vista: Sarah demitiu-se do cargo de governadora do Alasca há um ano e, desde aí, tem-se dedicado em exclusivo a alargar a sua base de apoio a toda a América, tendo uma enorme base de recrutamento nos descontentes do «poder de Washington».
Nos dias que correm, é muito difícil combater este movimento – apesar da sua falta de consistência política.
Será apenas um fenómeno passageiro, que esmorecerá com a recuperação económica? Olhando para o nervosismo que domina as cúpulas dos dois grandes partidos do sistema, parece que ninguém, neste momento, sabe responder a esta questão.»