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Histórias da Casa Branca: Tea Party, o amigo improvável dos democratas



Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 16 de Setembro de 2010:

Tea Party, o amigo improvável dos democratas

Por Germano Almeida


«Nos últimos meses, tem-se anunciado, com insistência, a vitória antecipada do Partido Republicano nas intercalares de Novembro. Mesmo descontando o elevado grau de imprevisibilidade que sempre domina umas eleições na América, parece certo que os republicanos terão grandes ganhos eleitorais. Mas há um amigo improvável dos democratas que pode baralhar as contas: o movimento Tea Party.

No clima de forte crispação que continua a marcar a política americana, o Tea Party (que é, já por si, um movimento tendencialmente crispado contra o «poder de Washington») aproveitou-se de condições especialmente favoráveis para atingir proporções dificilmente imagináveis até há um ano e pouco.

O sentimento anti-Washington é um dado tão forte no actual momento da política americana que nem os políticos da cúpula republicana escapam às ondas de choque.

A questão é complexa, mas poderá ser simplificada nestes termos: Obama é um Presidente com características que desagradam a quase metade da América – e alguns dos pontos da agenda transformadora de Barack chocam com os valores fundamentais da ala radical da Direita nos EUA.

A juntar a tudo isto, sucede que a crise económica continua ser forte em vários estados que em 2008 se tinham rendido à Obamania, mas que, na sua base, são tendencialmente conservadores (como a Virgínia, o Indiana, o Ohio ou a Carolina do Norte).

Com a passagem de Obama ao poder, alguns dos estados que Barack tinha ganho eleitoralmente a 4 de Novembro de 2008 revelam hoje uma larga maioria republicana, sendo que uma boa fatia desse eleitorado se mostra tentada a apoiar candidatos com um discurso conservador muito radicalizado.

Está, assim, montada uma espécie de «tempestade perfeita», que já provocou os seus estragos nas primárias republicanas para o Congresso. Alguns dos candidatos clássicos do Partido Republicano perderam, inesperadamente, a nomeação para pretendentes apoiados pelo Tea Party – muitos deles com pouco ou nenhum currículo político.

Como é que isto pode beneficiar os democratas? Por uma lei quase universal na política e que deverá voltar a manifestar-se em algumas disputas em Novembro: num sistema bipolar como o americano, quando um dos lados se alarga, mas se deixa dominar pela ala mais radicalizada, o outro pode ficar com a maioria – mesmo partindo atrás.

O efeito Christine O'Donell
Não foi, propriamente, um furacão que varreu o núcleo central do Partido Republicano, mas os estragos do Tea Party são evidentes.

As vitórias de Ken Buck, no Colorado, e Rand Paul, no Kentucky, já tinham servido de aviso. Na última ronda de primárias, disputada esta semana, houve mais um caso que dá que pensar: Christine O'Donell, 41 anos, consultora de marketing apoiada pelo Tea Party, obteve, de forma surpreendente, a nomeação republicana para a vaga no Senado pelo Delaware, vencendo o super-favorito Mike Castle, o político republicano mais respeitado daquele estado fortemente democrata.

Numa análise eleitoral, a vitória de O'Donell é, simplesmente, irracional. Com Mike Castle, os republicanos teriam fortes probabilidades de arrebatar aos democratas a vaga no senado. Sendo Christine a nomeada, o seu discurso ultra-conservador não colherá na hora de disputar o eleitorado num dos estados mais liberais dos EUA. E assim os democratas acabarão por manter um lugar que, em condições normais, estaria em risco.

Valores americanos
O Tea Party não é um movimento muito estruturado. Espelha, em traços gerais, o descontentamento dos segmentos mais conservadores com o excessivo pendor liberal que consideram existir, neste momento, em Washington – mas alberga correntes muito diversas e pouco coesas.

Como o discurso clássico dos republicanos é mais moderado, esta radicalização começou em manifestações espontâneas, um pouco por toda a América, mas foi-se organizando, nos últimos meses, encontrando em Sarah Palin e no popular comentador televisivo Glenn Beck os seus rostos mais visíveis.

Uma enorme comício realizado no final de Agosto em Washington, no Lincoln Memorial, precisamente com Palin e Beck como principais oradores, juntou meio milhão de pessoas. O descontentamento com a Administração Obama era um traço comum, mas tanto Sarah como Glenn optaram por não afrontar directamente o Presidente e falaram em «restaurar os valores da América e a sua honra».

O sucesso do Tea Party tem muito a ver com esse equívoco: o de se achar que só uma parte dos EUA corporiza os «verdadeiros valores americanos». Nesse comício, Sarah Palin falou muito no facto de ser «mãe de um veterano de guerra» – como se só na Direita houvesse mães e pais de soldados que arriscam a vida pela América.

Por estes dias, o discurso radical tem um assustador espaço para crescer na política americana. Até que ponto isso poderá baralhar as contas das intercalares, é uma dúvida que só será tirada em Novembro.

A reacção imediata do 'mainstream' republicano à nomeação de Christine O'Donell foi esclarecedora: Mike Castle, o candidato derrotado, recusa-se a dar apoio à nomeada do seu próprio partido, na disputa com os democratas em Novembro. E Karl Rove, um dos mais influentes estrategas do GOP, fez fortes críticas à falta de consistência política de Christine.

Uma coisa parece certa: o Tea Party foi o mais inesperado aliado dos democratas, na luta de preservar a maioria das duas câmaras do Congresso.

A política americana continua a ter uma enorme capacidade de produzir surpresas.»