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Histórias da Casa Branca: Robert Byrd, maior do que a vida
Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 5 de Julho de 2010:
Robert Byrd, maior do que a vida
Por Germano Almeida
«Robert Carlyle Bird, senador pela Virgínia Ocidental durante mais de meio século, decano dos políticos de Washington, morreu aos 92 anos, deixando consigo uma imensa história política, que espelha, no melhor mas também no pior, as contradições da América.
Foi o mais antigo senador dos EUA (serviu no Capitólio, de forma ininterrupta, entre Janeiro de 1959 até à sua morte, a 28 de Junho de 2010) e entrou, também, para a história política americana por ter sido o congressista que mais tempo esteve em actividade: teve assento no Congresso durante 58 anos seguidos – sete na câmara baixa e 51 no Senado.
Em 1952, foi eleito para a Câmara dos Representantes, naquele que viria a ser o primeiro passo de um longuíssimo percurso em Washington, sempre em representação do estado da Virgínia Ocidental.
Alguns dos seus críticos dizem que até defendeu... bem demais os interesses dos eleitores do seu estado. Senador poderoso, com influência em áreas relacionadas com a atribuição de fundos federais, Robert Byrd conseguiu, sobretudo na parte final, a aprovação de inúmeros programas de apoio ao emprego para o seu estado.
InfluênciaLiderou a maioria democrata no Senado na década de 70 e depois também nos anos 80, mas já em períodos em que o Partido Democrata era minoritário no Congresso.
A partir da década de 90, já em idade muito avançada, deixou de batalhar directamente na arena política (e por essa altura, o Congresso dos EUA começou a ter algumas parecenças com o Coliseu de Roma...) e foi nomeado presidente honorário do Senado – posto com uma carga essencialmente simbólica, mas que o colocava na terceira linha de sucessão presidencial: basicamente, se matassem o Presidente, o vice-presidente e o speaker do Congresso, seria ele a ficar com a Casa Branca.
Conversão
A evolução política de Robert Byrd foi o reflexo da evolução do Partido Democrata ao longo do século XX. Nascido em 1917, num estado com raízes profundamente conservadoras, o senador Byrd começou por ser um típico «southern democrat».
Convém lembrar que, até há poucas décadas, os políticos democratas dos estados do Sul tinham posições muito pouco progressistas. Só para termos uma ideia, Bill Clinton foi o primeiro governador democrata do Arkansas não segregacionista – e tomou posse da primeira vez que governou o seu estado de origem no final dos anos 70.
É, por isso, preciso perceber a contextualização histórica do momento em que Robert Byrd, pelo início dos anos 50, começou a sua carreira em Washington.
Com os riscos de simplificação que implica resumir, em poucas linhas, um percurso político «bigger than life», literalmente maior do que muitas vidas, poderá dizer-se que Robert Byrd começou por ser um «democrata conservador», entusiasta da Guerra do Vietname e céptico do Movimento dos Direitos Cívicos na década de 60 (nada alinhado, por isso, com os irmãos Jack e Bobby Kennedy ou com Martin Luther King). Mas a verdade é que Byrd foi, progressivamente, passando para a ala liberal do Partido Democrata.
Nos últimos anos no Capitólio, o registo das suas votações fizeram de Robert Byrd um dos senadores mais à esquerda. Opôs-se à segunda Guerra do Golfo e foi um forte apoiante da candidatura presidencial de Barack Obama.
No longo processo legislativo da Reforma da Saúde, Robert Byrd fez sempre questão de estar presente para votar «sim» -- mesmo quando, na véspera de Natal de 2009, apareceu no Senado de cadeira de rodas e só depois seguiu para a Virgínia Ocidental.
A poucos dias de ser eleito o quarto Presidente mais jovem da História da América, Obama fez questão de se encontrar a sós, durante alguns minutos, com Robert Byrd, no Senado.
Naquele gabinete em Capitol Hill, algures em Outubro de 2008, encontraram-se dois políticos separados por 44 anos de idade. Byrd nasceu em plena I Guerra Mundial, Obama é o primeiro Presidente «pós-geração babyboom».
Quando Byrd entrou para o Senado, nem lhe passaria pela cabeça, sequer, receber no seu gabinete alguém com a cor de Obama. Meio século depois, disse esta frase sobre o político que estava a dias se tornar o primeiro Presidente negro dos EUA: «Barack está muito bem preparado e tem na sua cabeça, e no seu coração, a verdadeira noção do que significa liderar este grande país. Vai ser um grande Presidente».
Com a morte de Robert Byrd, desaparece, também, uma boa parte da memória política do último século americano.»