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Histórias da Casa Branca: Entrevista a João Luís Dias


Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 19 de Agosto de 2010:

«Taxa de aprovação de Obama não é assim tão preocupante»

Por Germano Almeida


«O «Histórias da Casa Branca» conclui esta semana a série de textos de balanço de ano e meio de Presidência Obama, com uma entrevista a João Luís Dias. Natural do Porto, é licenciado em Ciência Política e Relações Internacionais, pela Universidade Fernando Pessoa, e é o autor do «Máquina Política», um dos poucos blogues portugueses exclusivamente dedicados à política norte-americana.

João Luís Dias, que também assina uma coluna semanal sobre política americana no «Estado a Que Chegámos», aponta o «insucesso no cumprimento da promessa de mudança no modo de fazer política em Washington» como maior falha da Administração Obama até agora. Mas deixa uma nota de optimismo numa fase em que os problemas de popularidade continuam a manchar o ambiente de «Obamania»: «A taxa de aprovação de Obama não é assim tão preocupante.»

- Com ano e meio de Administração Obama cumpridos, que balanço faz do que já foi feito?
-A nível de realizações, penso que a actual administração tem conseguido importantes êxitos, com natural destaque para a histórica aprovação da reforma da saúde e ainda para a melhoria da imagem da América no Mundo. Por outro lado, a maior falha, até ao momento, da presidência de Obama tem sido o total insucesso no cumprimento da promessa de mudança no modo de fazer política em Washington, como tão bem ficou comprovado com as recentes polémicas que envolveram a Casa Branca a oferecer cargos na administração em troca da desistência de candidatos que desafiavam, nas primárias do partido, senadores democratas.

– Os números da Taxa de Aprovação mantêm-se, teimosamente, na casa dos 50 por cento, às vezes menos. Se as eleições presidenciais de 2012 fossem hoje, Obama corria mesmo o risco de não ser reeleito?
– É impossível responder a essa pergunta, porque as eleições americanas são sempre o culminar de um ciclo político de quatro anos e têm de ser enquadradas nessa perspectiva. Além disso, muito dependerá do adversário de Obama e da situação económica da altura. A actual taxa de aprovação de Obama não é fantástica, mas também não é assim tão preocupante. Bill Clinton, em 1994, tinha números semelhantes, senão ainda mais negativos, e conseguiu facilmente a reeleição.

-A 27 de Janeiro, em entrevista à ABC, horas antes do discurso sobre o Estado da União, Obama respondeu assim aos problemas de baixa popularidade e respectivos riscos de falhar a reeleição: «Prefiro ser um muito bom Presidente de um só mandato do que um medíocre Presidente de dois mandatos.» Ele está a conseguir ser um muito bom Presidente, mesmo sem conseguir ser popular?
– É muito difícil ter uma correcta percepção do alcance, da importância e da qualidade de uma presidência logo no momento. Harry Truman, por exemplo, saiu da Casa Branca com uma das taxas de popularidade mais baixas da história e, hoje em dia, é um dos presidentes mais respeitados e elogiados de sempre. Por isso, penso que só a história dirá se Obama é e será um bom presidente. Mas, nesta primeira metade do seu mandato, é um facto que já conseguiu vitórias importantíssimas, com a reforma da saúde à cabeça, a colocação de uma sua nomeada no Supremo Tribunal (e outra a caminho), mas também a nível externo, com destaque para a assinatura do tratado START.

-- A Economia será, mais uma vez, a questão crucial – como foi, para o mal, para Bush pai, e para o bem para Bill Clinton?– Sem dúvida nenhuma. Apesar das vitórias que Obama já conseguiu e de outras que possa eventualmente vir a alcançar, o grande teste à sua presidência será sempre a situação económica do país. A economia será, então, o grande obstáculo entre Obama e um segundo mandato. Se a economia melhorar e o desemprego diminuir, as perspectivas de Obama se manter na Sala Oval até 20 de Janeiro de 2017 ser-lhe-ão extremamente favoráveis. Caso contrário, corre o sério risco de se ficar por 2013.
- Na Reforma da Saúde, Obama teve sempre a opinião pública contra ele, mesmo depois da aprovação final. Na Reforma Financeira, o sentimento «anti-Wall Street» que se vive na «Main Street» pode ajudá-lo?
– A confirmar-se o apoio popular a esta reforma financeira – é preciso recordar que a reforma da saúde era, há dois anos, extremamente popular – essa poderá ser uma vantagem para os democratas. Nos Estados Unidos, as sondagens e os índices de aprovação são factores muito importantes na altura em que os congressistas e senadores têm de votar um determinado tema, ainda mais com as eleições intercalares à porta. Assim, se os estudos de opinião continuarem a mostrar que esta reforma financeira conta com o apoio da maioria dos americanos, isso poderá ser um grande trunfo que os democratas jogarão para conseguir atrair alguns republicanos a votarem do seu lado.

- Entre os nomes que se perfilam do lado republicano para 2012, quem lhe parece estar melhor colocado para desafiar Obama: Sarah Palin, Mike Huckabee, Tim Pawlenty, Mitt Romney? Vê uma outra solução plausível além destas quatro?
– A essa shortlist acrescentaria ainda o nome de Newt Gingrich, o speaker da Câmara dos Representantes nos anos Clinton, que é visto por muitos como o representante da ala intelectual do GOP e que parece estar a preparar-se para se candidatar. Deste grupo, penso que Huckabee e Palin não teriam qualquer hipótese de derrotar Obama, dado serem bem mais conservadores que o eleitor americano médio. Mitt Romney é, até ao momento, o favorito a conseguir a nomeação do Partido Republicano e as suas credenciais como gestor de sucesso podem ser importantes, numa altura em que a economia é a maior preocupação dos americanos. Porém, as suas contradições em muitos temas, como na da reforma da saúde, ao criticar o plano de Obama depois de ter promovido uma reforma muito semelhante quando era governador do Massachusetts, devem ser-lhe muito prejudiciais nas primárias do GOP. De qualquer maneira, penso que o maior perigo para estes nomes será alguém com um perfil como o de Pawlenty ou Mitch Daniels, o governador do Indiana, ou seja, um governador estadual que possa fazer campanha com base numa mensagem anti-Washington e sem um historial de voto no Congresso que possa ser utilizado pelos seus adversários como arma de arremesso.

- Como vê os papéis do vice-presidente Joe Biden e da secretária de Estado Hillary Clinton na Administração Obama? – Joe Biden tem tido um perfil relativamente discreto, pelo menos quando comparado com o último vice-presidente, Dick Cheney, que foi, porventura, o mais activo e mais influente vice-presidente da história. Contudo, tem tido um papel relevante na área onde se sente mais à vontade – as relações externas. Por exemplo, o seu envolvimento nas relações entre os Estados Unidos e Israel, um tema que domina a actualidade, tem sido preponderante. Por sua vez, Hillary Clinton, outrora a grande rival de Obama, tem cumprido de forma tranquila e competente o papel de líder da diplomacia americana, conseguindo, no Departamento de Estado, o que nunca conseguiu nem na Casa Branca, nem no Senado – um grande índice de popularidade.
-- Será de admitir que Hillary opte por não entrar numa segunda Administração Obama (2013-2017), talvez a olhar para uma nova candidatura presidencial em 2016?

– Se Hillary Clinton não continuar no Departamento de Estado num eventual segundo mandato de Obama, isso não representaria propriamente uma surpresa. Até porque, por norma, um secretário de Estado cumpre, no máximo, quatro anos no cargo. Foi assim com os últimos cinco responsáveis máximos da diplomacia americana (Condoleezza Rice, Colin Powell, Madeleine Albright, Warren Christopher e Lawrence Engleburger). Desde Dean Rusk, nas administrações de John Kennedy e Lyndon Johnson, que um secretário de Estado não cumpre dois mandatos. Desta forma, a sua não continuidade na administração Obama não significaria, à partida, um passo rumo a uma candidatura em 2016. Além disso, Hillary terá, por essa altura, 69 anos e a própria tem posto de parte a hipótese de concorrer novamente à presidência. Contudo, penso que Hillary ainda ambicionará o antigo cargo do seu marido, ainda para mais quando goza de uma grande popularidade entre o eleitorado americano. Assim, tudo dependerá dos resultados de 2012 e do clima político que se seguir a essas eleições.

- As características de Obama, como candidato, permitiram-lhe obter votações muito superiores às que, habitualmente, são conseguidas por um democrata. O que aconteceu, em apenas ano e meio, para que esse enorme capital político conquistado por Obama a 4 de Novembro de 2008 tenha encolhido tanto?
– De facto, Obama conseguiu uma grande vitória na eleição presidencial, especialmente se nos lembrarmos que o último presidente democrata não-sulista foi John Kennedy, há meio século atrás. Todavia, o cenário político de 2008 era extremamente favorável aos democratas, com o eleitorado americano a desejar mudar de página depois de oito anos da administração republicana de George W. Bush, um presidente muitíssimo impopular, no final do seu mandato. Desde aí, Obama gastou grande parte do seu capital político na luta fratricida que disputou para conseguir fazer aprovar a reforma da saúde. Mas, mais importante ainda, os americanos estão desiludidos com a falta de sintomas de recuperação económica e com o clima político de Washington, partidário, conflituoso e que Obama não veio alterar, como havia prometido durante a campanha.

- Consegue destacar as três maiores virtudes e os três maiores defeitos de Barack Obama enquanto político?– Parece-me que a capacidade de inspirar e motivar, a abnegação em conseguir os seus objectivos e a coragem em gastar o seu capital político para alcançar as metas em que acredita são qualidades que moldam a personalidade política de Obama. No que diz respeito aos defeitos, penso que Obama lida mal com a crítica, ainda não conseguiu ser como presidente o excelente comunicador que foi como candidato e, por vezes, é demasiado agressivo na perseguição dos seus objectivos, o que pode ser confundido com prepotência.
-Sendo os EUA um país com um sistema político tão marcado pelo sistema de «checks and balances», será possível assistirmos a uma diminuição do clima de tensão e hostilidade entre democratas e republicanos ainda durante a «era Obama»?
– No panorama actual será muito difícil. Contudo, se os republicanos conseguirem, depois das eleições de Novembro, o controlo das duas ou mesmo de uma câmara do Congresso, a aprovação de qualquer legislação obrigará a um entendimento entre democratas e republicanos, como aconteceu em 1994 e em 2006, quando o partido que dominava a Casa Branca perdeu o controlo do Congresso para a oposição.

- Prevê uma vitória republicana nas «midterms» de Novembro tão ampla que implique uma mudança de controlo político no Congresso?– Se as eleições fossem hoje, esse seria um cenário possível, especialmente na Câmara dos Representantes, onde os republicanos têm boas hipóteses de fazer com que Nancy Pelosi passe de speaker a líder da minoria. Por agora, colocaria essa probabilidade na casa dos 50%. Já o caso do Senado é bem diferente: é natural que os republicanos ganhem cerca de meia dúzia de lugares na Câmara Alta, mas, tendo em conta que os democratas gozam de uma maioria de 59 senadores (entre eles, dois independentes) contra 41 do lado republicano, não prevejo que o GOP passe a ser o partido maioritário no Senado. Esse é um cenário possível, mas não provável.

«Entre os liberais e os centristas»
- Numa análise mais ideológica, considera Obama um político mais próximo dos liberais ou dos «Blue Dogs»? Mais à esquerda ou mais centrista?
– Colocá-lo-ia algures entre essas duas posições. Ou seja, Obama não é um centrista puro, como era, por exemplo, Bill Clinton, mas também não é, de forma nenhuma, um Walter Mondale ou um George McGovern, antigos candidatos presidenciais democratas e bem mais à esquerda do que Obama. Caracterizaria o actual presidente democrata como um liberal moderado, o que não agrada a nenhum dos extremos políticos: os mais conservadores consideram Obama o presidente mais liberal de sempre e apelidam-no de comunista, enquanto as facções mais liberais dos democratas criticam-no por não tomar medidas suficientemente liberais e dizem-se desiludidas com a sua governação.

- Que trunfos poderá Obama jogar até Janeiro de 2013? Ou melhor, até ao Verão de 2012, dado que, a partir daí, talvez não haja tanto uma governação, mas um aceso duelo eleitoral...
– O maior trunfo que poderá jogar será sempre o da melhoria na situação económica do país, caso tal venha a suceder. Depois, poderá fazer campanha utilizando algumas das realizações da sua administração, contrapondo-as com a falta de vontade dos republicanos em colaborar ou chegar a um compromisso, caracterizando o GOP como o partido do “não”. Por fim, penso que continuará a utilizar a mesma mensagem que utilizou na sua primeira campanha presidencial, salientando que a “mudança” não se consegue facilmente e que é preciso tempo e paciência para se alterar as políticas de Washington, pedindo, dessa forma, um segundo mandato aos americanos.»