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Histórias da Casa Branca: O fantasma de Camp David



Texto publicado no site de A BOLA, secção Outros Mundos, a 5 de Agosto de 2010:

O fantasma de Camp David

Por Germano Almeida


«O problema israelo-palestiniano atravessa várias administrações americanas. É o tema mais delicado nas prioridades da política externa dos EUA. A influência judaica nos postos de poder em Washington é indisfarçável, estejam os democratas ou os republicanos na Casa Branca -- mas a América continua a ser o intermediário mais poderoso de um conflito que parece não ter solução.

Numa altura em que, em Washington, está no poder um Presidente com fama de conseguir resolver o que parecia, à primeira vista, insolúvel, a verdade é que Barack Obama ainda não colocou a questão israelo-árabe como primeira prioridade na sua tão vasta e complexa agenda.

Mesmo assim, Obama já deu sinais claros de que a posição americana deixou de ser de clara preferência por Israel – como tinha sido, erradamente, durante os oito anos de George W. Bush.

O cartão amarelo que o governo de Netanyahu levou, em Março, desta administração depois do anúncio da construção de 1600 novos apartamentos em Jerusalém Oriental, em territórios que são reclamados pelas duas partes foi a maior prova de que, na era Obama, o discurso americano passou a ser mais equilibrado.

Os avisos da secretária de Estado, Hillary Clinton, lançados precisamente após esse gesto desafiador do governo de Netanyahu, não deixam margem para dúvidas: «Israel vai ter que fazer escolhas difíceis. O actual estado de coisas é insustentável.»

Mas convém não exagerar nas interpretações: esta posição severa da Administração Obama para com Telavive não é, propriamente, uma viragem de 180 graus.

Basta reparar que, no mesmo discurso, feito no American Israel Public Affairs Comittee, Hillary Clinton recordou que «os Estados Unidos têm para com os israelitas um compromisso, sólido como uma rocha, na garantia da segurança do estado de Israel.» E a chefe da diplomacia dos EUA foi mais longe: «Essa garantia não é, para mim, uma mera opção política. É um compromisso pessoal, do qual nunca irei abdicar.»

A aparente ambiguidade no discurso de Hillary (primeiro duro, depois protector) em relação a Israel é reflexo do que se passa no Departamento de Estado, que ela própria chefia: uma boa parte dos seus adjuntos e assessores são judeus e/ou têm fortes ligações a Israel. Mas foi com Obama e Hillary que a «two states solution» passou a ser, sem hesitações, a posição de Washington em relação ao conflito Israel/Palestina...

A intransigência de Arafat
Há precisamente dez anos, o marido da actual secretária de Estado esteve muito, muito perto de entrar para a História como o Presidente dos EUA que mais longe chegou neste tema.

Bill Clinton começou o seu primeiro mandato com o que parecia ser, na altura, um grande sucesso diplomático: os Acordos de Oslo, assinados em Setembro de 1993.

A imagem de Arafat e Rabin a apertarem demoradamente a mão, com o então Presidente americano ao meio, ainda hoje é recordada – e parecia ser o início de uma etapa mais distendida.

Mas, mais uma vez, essa imagem não teve correspondência com o que se passou a seguir. O assassinato de Yitzhak Rabin, por um extremista judeu, veio radicalizar posições em Israel. Os anos que se seguiram foram de retrocessos nas negociações – sobretudo com o endurecimento verificado na primeira era de Netanyahu no poder, a meio da década de 90, e com o enfraquecimento interno de Arafat, do lado palestiniano.

O regresso dos trabalhistas ao poder em Israel, com Ehud Barak, deu uma nova oportunidade ao processo de paz. Estávamos no ano 2000, a poucos meses do final do segundo mandato de Bill Clinton.

Depois de oito anos dourados do ponto de vista económico, mas com resultados contraditórios no plano externo (e o bombardeamento a Belgrado como mancha), Clinton estava profundamente empenhado em conseguir um acordo histórico entre Ehud Barak e Yasser Arafat. E estava disposto a passar os dias que fossem precisos com os líderes de Israel e da Autoridade Palestiniana até que se chegasse a bom porto.

Ehud Barak é um dos mais respeitados militares da história israelita – e estava na disposição de fazer concessões que, até à altura, ainda não tinham sido admitidas por Telavive.

Yasser Arafat, líder contraditório, teve ao longo dos anos faces muito diferentes para com os EUA: primeiro foi visto como um terrorista, depois passou a ser recebido como o interlocutor mais legítimo do lado palestiniano.

Tão perto de fazer História
Em Camp David, corria o mês de Julho de 2000, Clinton, Barak e Arafat estiveram quase, quase a fazer História, ao fim de duas semanas seguidas de duras negociações. O então primeiro-ministro israelita estaria na disposição de admitir uma Palestina independente, com 92 por cento da Cisjordânia e capital em Jerusalém Oriental. Mas nem isso chegou para fazer Arafat ceder.

Bill Clinton conta no seu livro de memórias, «A Minha Vida» (editado em Portugal pela «Temas e Debates»): «Regressei no décimo terceiro dia das conversações e passámos uma noite inteira a trabalhar, sobretudo em questões de segurança. Fizemos o mesmo no décimo quarto dia e já passava das três da manhã quando desistimos. O controlo efectivo do Monte do Templo e de toda a Jerusalém oriental não era suficiente para Arafat sem a palavra 'soberania'. Num esforço de última hora, ofereci-me para tentar convencer Barak a aceitar a soberania total nos bairros exteriores de Jerusalém oriental, a soberania limitada nos interiores e a soberania «de custódia» no Haram. Arafat voltou a dizer que não. Encerrei as conversações. Era um desfecho frustrante e profundamente triste. Eram poucas as diferenças entre as duas partes quanto ao modo como os problemas relativos a Jerusalém seriam geridos; era apenas uma questão de soberania.»

Para Clinton, a teimosia de Arafat impediu que se tivesse chegado a um acordo com condições que dificilmente se repetirão: «Arafat quisera prosseguir as negociações e mais de uma vez reconheceu que talvez nunca mais deparasse com um governo israelita nem com uma equipa americana tão empenhados na paz. Era difícil perceber o que o levara a mostrar-se tão inflexível.»

Uma década perdida
O tempo veio dar razão aos lamentos de Bill Clinton. A década que se seguiu a Camp David, e que agora se completa, foi, na prática, uma década perdida na questão israelo-árabe. Em Taba (Janeiro de 2001), Ehud Barak manteve o essencial do que oferecera em Camp David, mas com o triunfo eleitoral de Ariel Sharon, Israel mudou os dados do jogo, pouco depois.

O Roteiro para a Paz, que marcou o ‘tandem’ Bush-Sharon nos primeiros anos da década, pouco tinha a ver com o que esteve perto de ser assinado em Camp David. Só em Novembro de 2007, já com Bush no fim e a mudança perto de chegar a Washington, se estabeleceu o compromisso de «dois Estados, dois povos», em Annapolis.

Num conflito com tantos obstáculos como é o problema israelo-palestiniano, a História irá sempre ter novos capítulos. Infelizmente.»