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Histórias da Casa Branca: entrevista a José Gomes André


Entrevista a José Gomes André, no texto 60 do Histórias da Casa Branca, site de A BOLA, secção Outros Mundos:

Por Germano Almeida

«Ainda integrado no balanço do primeiro ano e meio da Presidência Obama, o «Histórias da Casa Branca» publica uma entrevista com José Gomes André, membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e autor do «Sistema Político e Eleitoral Norte-Americano: um Roteiro», trabalho incluído em «O Regresso da América», de Viriato Soromenho-Marques, Esfera do Caos, 2008.

José Gomes André doutorou-se em Filosofia Política com uma dissertação dedicada ao pensamento político de James Madison. Encontra-se, actualmente, a trabalhar num pós-Doutoramento sobre federalismo moderno e contemporâneo. Publicou diversos artigos sobre filosofia política, traduziu a obra de John F. Kennedy, “Profiles in Courage” (“Retratos de Coragem”, Esfera do Caos, 2008) e foi o consultor da edição portuguesa de “Uma História Americana: os Melhores Discursos de Barack Obama” (Esfera do Caos, 2008).

Escreve na blogosfera desde 2003, sendo actualmente colaborador no "Delito de Opinião" e no "Era uma vez na América" (www.eraumaveznaamerica.blogs.sapo.pt), blog dedicado à política e cultura nos EUA.

- Com um ano e meio de Administração Obama cumpridos, que balanço faz do que já foi feito?
- De um modo geral, Obama tem sido um Presidente reformista e corajoso, cumprindo a esmagadora maioria das suas propostas. No plano interno, obteve uma vitória histórica com a reforma da saúde, orquestrou uma importante reforma do sistema financeiro (ainda em discussão) e fomentou alterações relevantes em áreas como o ambiente ou a educação. Também na política internacional julgo que tem seguido a abordagem correcta, promovendo uma aproximação política e económica com as denominadas potências emergentes (Rússia, China, Índia), isolando o Irão e procurando gerar diálogos com o “Islão moderado”. Em todo o caso, a sua Presidência fica também marcada pela sua incapacidade para superar a grave crise económica (e social) dos Estados Unidos, tema que, pela sua importância e carácter mediático, impede que se trace, até agora, um balanço claramente positivo do seu mandato.

- Os números da Taxa de Aprovação mantêm-se, teimosamente, na casa dos 50 por cento, às vezes menos. Se as eleições presidenciais de 2012 fossem hoje, Obama corria mesmo o risco de não ser reeleito?
- Aparentemente, sim. A fragilidade da economia e os números do desemprego produziriam certamente muitos votos de protesto. E a base democrata não tem obviamente a mesma motivação de há dois anos atrás, pelo que Obama teria certamente dificuldades. Todavia, o Partido Republicano não tem neste momento um candidato forte capaz de discutir a eleição presidencial, estando demasiado dependente de nomes promissores, mas demasiado inexperientes (Sarah Palin, Bobby Jindal), ou consolidados, mas pouco entusiasmantes (Mitt Romney, Newt Gingrich). Nestes termos, Obama seria favorito – como julgo que acontecerá daqui a dois anos.

O peso da Economia
- A 27 de Janeiro, em entrevista à ABC, horas antes do discurso sobre o Estado da União, Obama respondeu assim aos problemas de baixa popularidade e respectivos riscos de falhar a reeleição: «Prefiro ser um muito bom Presidente de um só mandato do que um medíocre Presidente de dois mandatos.» Ele está a conseguir ser um muito bom Presidente, mesmo sem ser popular?

-- É difícil julgar o que é uma boa Presidência, porque essa apreciação está condicionada pelas nossas expectativas e pelos nossos valores ideológicos. O que é bom para um Democrata poderá não ser para um Republicano e vice-versa. De qualquer modo, e para um observador externo, diria que é especialmente entusiasmante encontrar em Obama um político que procura cumprir as suas propostas eleitorais. Do ambiente à política externa, da educação à saúde, Obama tem sido surpreendentemente fiel às suas ideias e argumentos, tal como foram positivamente sufragados em 2008. Mas, feliz ou infelizmente, a opinião pública da sua acção está inevitavelmente ligada com o estado da economia – e este, como sabemos, não é de todo favorável...

- A Economia será, mais uma vez, a questão crucial – como foi, para o mal, para Bush pai, e para o bem para Bill Clinton?
-- Todos os estudos de opinião assim o indicam. Há ocasiões onde temas específicos se tornam particularmente relevantes (como sucedeu após o 11 de Setembro, por exemplo), mas a maioria dos eleitores tem em elevada consideração o estado da economia no momento do voto. Se a situação não melhorar substancialmente nos próximos dois anos, Obama será possivelmente punido nas urnas.

- Na Reforma da Saúde, Obama teve sempre a opinião pública contra ele, mesmo depois da aprovação final. Na Reforma Financeira, o sentimento «anti-Wall Street» que se vive na «Main Street» pode ajudá-lo?
- Certamente. Criar maiores restrições às operações financeiras, juntando-lhe uma retórica moderadamente anti-capitalista, é uma medida popular em qualquer país do mundo. E julgo que Obama contará até com o apoio (implícito, provavelmente) de vários sectores ligados à banca e aos negócios financeiros, que anseiam igualmente por esta reforma. Há uma tendência para demonizar a alta finança devido ao que sucedeu com a crise mundial, mas há muita gente do meio que perdeu fortunas nos últimos anos, porque respeitaram as regras ao passo que outros não o fizeram.

Os adversários e Hillary
- Entre os nomes que se perfilam do lado republicano para 2012, quem lhe parece estar melhor colocado para desafiar Obama: Sarah Palin, Mike Huckabee, Tim Pawlenty, Mitt Romney? Vê uma outra solução plausível além destas quatro?

-- As sondagens e os “media” têm falado sobretudo deste quarteto, mas dois anos em política é uma eternidade (pensemos onde estava Obama em 2006...). De qualquer forma, é provável que um destes nomes referidos acabe por vencer as primárias republicanas. Tratam-se porém de perfis políticos muito distintos. Palin e Huckabee representam o sector mais conservador do GOP, ao passo que Romney e Pawlenty surgem fundamentalmente como tecnocratas e mais moderados. Romney, pela sua experiência política e domínio da área económica, é o meu favorito, mas terá de melhorar a sua capacidade de comunicação e resistir à retórica populista de Sarah Palin, talvez a sua maior opositora.

- Como vê os papéis do vice-presidente Joe Biden e da secretária de Estado Hillary Clinton na Administração Obama?
-- São dois casos distintos. Por questões estruturais, o vice-presidente é uma figura pouco importante no sistema político americano. Embora em segundo lugar na hierarquia do Estado, dispõe de escassos poderes decisórios, sendo a sua intervenção essencialmente simbólica. O caso da secretaria de Estado é totalmente distinto, pois dela depende grande parte da política externa americana. Se juntarmos a este facto a personalidade forte de Hillary Clinton, percebemos que tal posição é nesta altura uma das mais importantes no quadro político dos EUA. E boa parte dos sucessos de Obama na política internacional devem-se à tenacidade e capacidade intelectual de Hillary, não tenhamos dúvida.

- Será de admitir que Hillary opte por não entrar numa segunda Administração Obama (2013-2017), talvez a olhar para uma nova candidatura presidencial em 2016?
- Parece-me possível, mas receio que se venha a revelar uma estratégia perdedora. Em 2016, Hillary terá 69 anos, o que não deixará de ser um handicap num quadro político dominado pelos novos media e pelo chamado “carácter apelativo dos candidatos” (infelizmente, cada vez mais importante). Por outro lado, essa aposta pressuporia um terceiro triunfo consecutivo para os Democratas em eleições presidenciais, algo que não acontece desde 1940. Acredito que Hillary se candidate em 2016, mas duvido muito que ganhe o combate com os Republicanos.

- As características de Obama, como candidato, permitiram-lhe obter votações muito superiores às que, habitualmente, são conseguidas por um democrata. O que aconteceu, em apenas ano e meio, para que esse enorme capital político conquistado por Obama a 4 de Novembro de 2008 tenha encolhido tanto?
-- Em primeiro lugar, é importante contextualizar a vitória de 2008, que vem na sequência de uma Presidência falhada (de George W. Bush) e de um cansaço generalizado do eleitorado relativamente ao Partido Republicano. Por outro lado, dadas as colossais expectativas que envolviam a candidatura de Obama, é natural que o eleitorado sinta alguma desilusão ao fazer um balanço da sua Presidência. O problema não é tanto os erros ou incapacidades de Obama, mas o facto de se ter previamente difundido a ideia de que a sua chegada ao poder seria suficiente para corrigir radicalmente as injustiças e os problemas sociais e económicos.

- Consegue destacar as três maiores virtudes e os três maiores defeitos de Barack Obama enquanto político?
- As virtudes: tenacidade, inteligência e eloquência. Os defeitos: dificuldade em dialogar com os adversários (especialmente quando esta era uma sua “bandeira”); é pouco intuitivo e talvez excessivamente sobranceiro.

- Sendo os EUA um país com um sistema político tão marcado pelo sistema de «checks and balances», será possível assistirmos a uma diminuição do clima de tensão e hostilidade entre democratas e republicanos ainda durante a «era Obama»?
- Não julgo que uma coisa tenha a ver com a outra. O sistema de «checks and balances» é anterior ao surgimento dos partidos, estando relacionado com a existência, no quadro político, de uma série de mecanismos institucionais que criam dinâmicas de controlo mútuo entre órgãos de decisão. A ideia de uma vigilância recíproca entre os vários focos de autoridade política é algo de fundamental no sistema político americano, independentemente dos seus actores. O clima de tensão partidária não brota deste sistema, mas sim de uma radicalização do discurso ideológico nos anos 60, adensado no final dos anos 90, com as chamadas “culture wars”. Nessa altura, os partidos deixaram de ser meros grupos políticos para se tornarem representações simbólicas de valores morais ou sociais. O debate de “ideias” tornou-se, em grande medida, numa disputa de “crenças”, mais emotiva que racional. Num quadro deste género, é muito difícil promover aproximações entre partidos ou defender estratégias de cooperação política. É sobretudo por este motivo que os partidos americanos estão hoje dominados pelas franjas mais radicais (à esquerda e à direita), tendo os moderados dificuldade em se afirmarem num terreno discursivo e político tão hostil.

- Prevê uma vitória republicana nas «midterms» de Novembro tão ampla que implique uma mudança de controlo político no Congresso?
- Essa mudança é provável no caso da Câmara dos Representantes, onde os Republicanos irão conquistar vários lugares (algumas dezenas, na verdade). Como estamos a falar de 430 eleições individuais, é difícil fazer projecções, mas as sondagens indiciam uma derrota clara dos Democratas nesta câmara. O caso do Senado é mais bicudo, pois os Republicanos necessitam de recuperar dez lugares em trinta e sete disputas. Embora favoritos em Estados “equilibrados” (como a Pensilvânia, New Hampshire ou Colorado), dificilmente os Republicanos obterão uma vitória tão expressiva que lhes permita conquistar a câmara alta do Congresso.

- Numa análise mais ideológica, considera Obama um político mais próximo dos liberais ou dos «Blue Dogs»? Mais à esquerda ou mais centrista?
-- Contrariamente a mistificações que se difundiram sobretudo na internet e nos famosos programas de rádio americanos, Obama é acima de tudo um moderado. Nalgumas questões podemos encontrar no seu programa político maiores concessões à esquerda (temas de ambiente, política de saúde), mas existem desde logo “nuances” que tornam essa definição difícil (é o caso das questões ditas “sociais”, onde Obama não é de todo um “liberal” à americana – defende a pena de morte, por exemplo). Tal é particularmente visível em relação à política externa, onde Obama combina um internacionalismo de matriz claramente de Esquerda (na linha de JFK), com uma retórica nacionalista (habitualmente associada a outros quadrantes).

- Que trunfos poderá Obama jogar até Janeiro de 2013? Ou melhor, até ao Verão de 2012, dado que, a partir daí, talvez não haja tanto uma governação, mas um aceso duelo eleitoral...
- Imagino dois cenários possíveis. Se a economia demonstrar uma recuperação sólida (atenção aos números do desemprego, uma questão fulcral para a opinião pública americana), julgo que Obama não necessitará de jogar nenhum trunfo, bastando-lhe apresentar-se como um dos responsáveis dessa recuperação (ainda que a mesma não dependa totalmente dele, como é evidente). Se, ao invés, a economia não descolar, a alternativa é insistir numa agenda reformista em vários domínios (ambiente, imigração, energia) – como de certa forma tem sido feito – para atenuar a percepção negativa do “estado da nação” no campo económico e mostrar uma imagem de político resiliente em tempos difíceis. O que poderá ser suficiente para lhe garantir a reeleição.